quarta-feira, 22 de maio de 2013

Walcyr Carrasco morde e não assopra



Adoro primeiros capítulos de novelas. Não só para conhecer uma trama inteiramente nova e seus personagens que nos farão companhia por vários meses, mas principalmente porque toda equipe aplica um esforço acima da média para deixar logo sua marca no horário. Isso é nítido em todas as estreias, levando alguns a crer que tal novela empregará um ritmo ágil. No entanto, a cadência própria de cada novela é ditada ao longo da novela, não em seu primeiro capítulo.




Nossas experiências também podem ser influenciadas pelo modo como a novela anterior acabou. Apesar de Salve Jorge ter se encontrado nas últimas semanas, não deixou a saudade que outras deixaram. Ainda assim, alguns pontos do último capítulo fugiram do lugar comum e podem ser relacionados com a estreia de Amor à vida.

Tomei até um susto ao ver todas traficadas, lideradas pela policial disfarçada Jo-Lohana (Thammy Gretchen) acertando as contas com o capanga Russo à base de socos e tapas. A cena foi quase um Capitão Nascimento enchendo a autoridade corrupta de porrada no filme “Tropa de Elite 2”. Curiosamente, o alvo para a catarse das injustiças é o ator Adriano Garib, intérprete de Russo e do político do filme. Esse tipo de justiça, “olho por olho, dente por dente” não é muito comum em novelas. O perdão, puro e cristão dos mocinhos costuma tomar conta nos finais. E de certa forma, também no “julgamento” dos escritores. Não é bem um julgamento, propriamente dito. Um escritor pode dar um destino com o qual não concorda a um personagem, trazendo a tona o acaso da realidade. Porém o destino mais recorrente dos vilões é um rápido e quase indolor acidente de carro. Que tudo se resolva no outro mundo. 



Nesse ponto, Salve Jorge foi quase inovadora. Todos seus vilões foram parar atrás das grades. O que faz muito sentido, já que a heroína da trama é uma delegada (mais detalhes no parágrafo abaixo). E na cadeia, em mais uma cena inspirada, Wanda (Totia Meirelles) adotou uma religião, possivelmente evangélica, como forma de mostrar seu conformismo em qualquer situação, como disse, brilhantemente, Lívia (Claudia Raia). (Veja vídeo aqui) Em Amor à Vida, há boatos de que Valdirene, filha de Márcia do Espírito Santo (Tatá Werneck e Elizabeth Savalla, respectivamente) se converta também há uma vertente evangélica, o que pode gerar polêmicas, já que a personagem, que deve entrar na trama na próxima semana, será apresentada como uma “maria-chuteira”. Não há nem mesmo uma confirmação do autor Walcyr Carrasco, que garante decidir o destino de seus personagens de acordo com o que os próprios mostram para ele.

Voltando a heroína, “Donelô” (Giovanna Antonelli) esteve apagadinha no capítulo final da novela de Glória Perez, mas foi uma constante ao longo de seus quase sete meses. Deve ser lembrada como a referência na novela de personagem que funcionou. Moderna, feminina, divertida e inteligente, muitas vezes pensou a frente do público. Pode-se dizer que é uma heroína perfeita.  Amor à vida, aparentemente virá com o vilão perfeito. Félix (Mateus Solano) comandou o humor e foi o maestro da tensão nos primeiros capítulos. Equilibrando a perspicácia típica dos gays, perversidade, inveja e ambição, a “bicha-má”, como já está sendo chamada nas redes sociais, dá claros indícios de ser um psicopata. E o Brasil ama um bom psicopata nos folhetins!



Do lado negativo, a sessão de furos já começou em Amor à Vida. Parto normal em uma mulher com pressão alta. Será que teremos que continuar voando? É o que falta para que boas novelas tupiniquins possam ser comparadas aos seriados estrangeiros: maior preocupação com a veracidade do que é posto na tela. Por mais que se use a carta da “liberdade poética”, essa falta de cuidado pode gerar consequências graves no público menos informado. Walcyr precisará de muita atenção para segurar essas imprecisões com seus mais de 80 personagens, fator que aproxima Amor à Vida as novelas de Glória Perez e distancia do modelo aprovado de João Emanuel Carneiro, que trabalha com elencos mais enxutos.

Acostumado a novelas leves, lembradas pelo humor como O Cravo e a Rosa, Chocolate com Pimenta e Alma Gêmea, Walcyr Carrasco, até agora, nos despejou um drama quase sem alívios cômicos. Encontrou o seu próprio momento para criar uma trama mais densa, compatível com o horário. O humor anunciado em comerciais e até em programas como Video Show e Fantástico, ainda aparecerá. Porém se quiser manter a coerência no trabalho, esse deve ser um estilo de humor bem diferente dos encontrados nos pré-citados folhetins das 18h. Independente da aceitação de Amor à vida, esse é um ponto novo, um verdadeiro desafio na carreira do autor.

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