Na
década de 50, o doutor William Masters, especialista em obstetrícia,
iniciou uma série de estudos sobre a sexualidade e as reações do
corpo aos estímulos sexuais. Contando com a ajuda inusitada mas
providencial de uma ex-cantora que se tornou sua assistente, Virginia
Johnson, Masters trilhou um difícil caminho de resistência à sua
pesquisa, no próprio hospital-escola em que atendia. Essa é a
história real contada no livro “Masters of sex”, que foi
adaptada para série de TV exibida pela Showtime e que esse ano vai
para sua segunda temporada.
Masters
entendeu com os estudos do psicanalista Sigmund Freud e,
posteriormente, do entomologista Alfred Kinsey, que o modelo de
pesquisa adotado para entender a sexualidade era em grande parte
baseado no “achismo”, com entrevistas e pouco baseado na ciência
e na observação. Assim, Masters chegou a conclusão clara de que
ninguém naquela época de fato entendia qualquer coisa de sexo,
principalmente sobre a sexualidade feminina.
Exatamente
aí que entrou a importância de Virginia, uma mulher a frente de seu
tempo, duas vezes divorciada, dissociando o sexo do amor, algo que
assustou os homens com quem se relacionou e livre de tabus, mais que
o próprio Masters, um homem curioso e com poucos preconceitos, que
no entanto levava um casamento distante e frio. Os dois simbolizam
alguns dos arquétipos desse período em que as prostitutas entendiam
mais de sexualidade que os médicos, em que poucas mulheres chegavam
ao clímax, os homens não entendiam porque falhavam, outros não
sabiam como lidar com o interesse pelo mesmo sexo e até a prevenção
de câncer no colo do útero era assunto combatido. Esse é o
panorama abordado nessa série provocativa e envolvente, com uma
charmosa e eficaz ambientação da época contrapondo uma edição
ágil e moderna.
Acima ou nesse link, a abertura cheia de metáforas e planos detalhes de Masters of Sex. Sim, Showtime também produzia Dexter.
Quase
60 anos separam os personagens do drama da Showtime da comédia,
Orange is the new black, mais uma produção de sucesso da Netflix
(House of Cards foi seu primeiro grande hit), que se consolidou como
exibidora de filmes e séries sob demanda, algo que está
revolucionando a maneira como os programas são assistidos. Na série,
também baseada em história real, Piper Chapman, uma jovem
recém-empreendedora, é condenada a prisão de segurança mínima
por 15 meses, por ter transportado há vários anos, uma única vez,
uma carga de dinheiro do tráfico, para sua namorada da época, a
traficante Alex Vause, que, surpresa!, está presa na mesma
instituição.
É
possível ver em OITNB todas as consequências do pioneiro estudo que
Masters of Sex descreve tão bem. A principal consequência é a
insegurança masculina diante da incompreensão dos desejos
femininos. Insegurança refletida em tirania, como o terrível guarda
George Mendez, e em submissão, como o noivo de Piper, Larry Bloom.
Ou mesmo alternando os dois comportamentos extremos, como o chefe de
guardas Sam Healy.
Elementos
que subvertem o sub-gênero de filmes de penitenciárias são
fortemente utilizados (como no episódio em que a namorada de Nicky
anuncia que ficará livre). Os episódios são desenvolvidos em um
formato parecido com o de Lost, com o foco variando de personagem e
uso de flashbacks. Perfeita a adoção dessa estrutura, pois Orange
tem uma gama de personalidades divertidíssimas e algumas medonhas,
como a crente ex-viciada em metanfetamina Tiffany, a ainda viciada e
ex-moradora de rua Nicky e a matriarca russa Red. Por conta do
sucesso das personagens secundários, a segunda temporada da série
será mais focada nelas.
Duas
se destacam por motivos mais, digamos, políticos: a “butch” que
esconde uma certa doçura Big Boo e a transsexual Sophia Burset,
interpretadas por Lea DeLaria e Laverne Cox. Optando por escalar
atrizes com a mesma identidade de gênero dos personagens, OITNB
atende uma antiga reivindicação das comunidades LGBT, que reforça
a presença em obras de entretenimento de artistas que vivem a causa.
Fator, por exemplo, criticado pelas mesmas comunidades sobre o filme
indicado ao Oscar de 2014 “Dallas Buyers Club”, em que uma
transsexual é interpretada pelo ator Jared Leto. Vencedor do Oscar
de melhor ator coadjuvante e também o Globo de Ouro, Leto incluiu em
um de seus discursos uma piada sobre depilação.
Voltando
às séries, ambas são desenvolvidas por mulheres, Michelle Ashford
(Masters) e Jenji Kohan (Orange). Estão entre os melhores
lançamentos do gênero no ano passado, não apenas porque refletem
importantes visões femininas sobre nossa sociedade, mas também
engrossam uma já longa lista de programa de TV mais ousados em seu
conteúdo do que a maioria dos filmes, que abordam temas cada vez
mais batidos e conservadores. Essa nova safra também apresenta boa
evolução narrativa, sem as “barrigas” que se via antes até em
ótimos seriados, como Sopranos (eu amo Sopranos, que fique bem
claro!). Uma possível adequação ao novo modo de consumir seriados,
por meio de novas mídias.
Masters
of Sex e Orange is the new black são duas
ótimas pedidas para se instigar com um tema tão universal.
Então corra, porque as segundas
temporadas estão a caminho: a de Masters está em fase de produção
e Orange reestreia dia 6 de junho!