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O fogueteiro Guy Fawkes |
Um inglês chamado Guy Fawkes, com um bigode ridículo como o
século XVII pedia e cara de bravinho, junto a alguns católicos insatisfeitos,
resolveu explodir o parlamento inglês, em 1605. A ideia era explodir junto o
rei protestante Jaime I. Mas caguetaram tudo! Guy, que era o especialista em
pólvora, foi pego, torturado e enforcado. Porém, seu rostinho sapeca foi
imortalizado. Aliás, você o viu muitas vezes, nessa semana mesmo.
Expressões, símbolos e estratégias que estão sendo usadas
nos protestos que param todo país nesse momento podem ser vistos em diversos
filmes. Bom momento para entender melhor os pormenores desse momento histórico
ou apenas dar uma pausa nisso tudo e assistir a bons filmes.
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HQ "V for Vendetta", traduzido para o português |
A história verídica da chamada “Conspiração da Pólvora”,
descrita no primeiro parágrafo, serviu de base para a HQ “V for Vendetta”, de
Alan Moore e David Lloyd, publicado em 1983. Nela, os planos explosivos de Guy
se concretizam. Retratando uma sociedade que vive sob um governo autoritário,
controlador da privacidade e cruel, a HQ foi adaptada para o cinema 23 anos
depois, pelos irmãos Wachnowski, diretores da série Matrix e fãs das HQs de
Moore e Lloyd. A estreia de James
McTeigue na direção de longa metragens fez muito sucesso, com Natalie Portman
no papel principal: uma jovem cujos pais foram assassinados numa guerra
pré-fascismo, é resgatada pelo líder do movimento contra a opressão do governo,
um misterioso sujeito de máscara. A tal máscara replica o rosto emblemático de
Guy Fawkes e é usada tanto na HQ quanto no filme. O design de produção do longa
é de Owen Paterson, o mesmo da trilogia Matrix e de, pasme, Priscila, a Rainha
do Deserto.
Se a máscara com o rosto de Guy é o símbolo visual dos
protestos, o termo Primavera repercutiu na mídia geral. Trata-se de uma alusão
a Primavera de Praga, de 1968. Um líder reformista da antiga Tchecoslováquia
chegou ao poder do país e chacoalhou a ordem soviética vigente, liberando a
economia e aumentando a liberdade de imprensa, entre outras medidas para “desestalinizar”. Mas a União Soviética acabou com a farra,
retomou o poder e acabou com todas as reformas.
Tudo isso de janeiro a agosto daquele ano. O período é o pano de fundo do
filme “A insustentável leveza do ser”, de 1987, dirigido por Philip Kaufman.
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Daniel Day-Lewis e Juliette Binoche em "A insustentável leveza do ser" |
No filme, os personagens de Daniel Day-Lewis e Juliette
Binoche ilustram respectivamente a leveza e o drama, este inerente e se
sobrepondo ao primeiro, no momento em que os tanques invadem a Tchecoslováquia
e mudam a vida de todos os personagens. O contraste entre os momentos de paz e protestos/repressões
também é composto pela fotografia em cores e p&b e evidenciado pela
montagem de Walter Murch.
Na Primavera de Praga, a população, que na maior parte
apoiava as reformas, era instruída por emissoras de rádio, de maneira bem
interessante. Aficionados por radiotransmissores pensaram num sistema que impossibilitava
a triangulação do sinal. Cada emissora transmitia suas informações por apenas 9
minutos.
A grande mídia também vem sendo confrontada com a nova
realidade. As opiniões políticas são cada vez mais pautadas pelas mídias
sociais. Mas como sabemos, nem sempre foi assim. Troque mídia por publicidade e
protestos por eleições e você terá os ingredientes do filme “No”, que também
nos ajuda a entender como se constrói o posicionamento político de um povo. O diretor Pablo Larraín recriou os bastidores
do plebiscito que tirou Pinochet do poder no Chile após 15 anos, em 1988.
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Cores e texturas do final da década de 80 no filme "No" |
O
diretor utilizou uma câmera da época, adquirida por um site de leilões, igualando
organicamente filmagens e imagens de arquivo. No filme indicado ao Oscar desse
ano, Gael Garcia Bernal interpreta um publicitário de sucesso que é convidado
pela esquerda a criar a campanha contrária a Pinochet. Aos poucos, convence os
militantes a substituir os pesados discursos políticos por uma linguagem otimista e
moderna. Isso rapidamente faz com quem os indecisos se unam e votem por uma
nova ordem política.
Agora convido os fãs de cinema a exercitar a imaginação:
qual diretor brasileiro poderia retratar, e como retrataria, a nossa “Revolta
dos 20 centavos”?