Quentin Tarantino desperta amor e ódio cinematográfico. Endeusado por alguns, que elevam seus filmes a um gênero novo e particular e acusado por outros de plágio. Cada um de seus filmes destila por milímetro quadrado uma série de referências ao cinema e a cultura pop.
Como diretor, ganhou respeito por Cães de Aluguel (Reservoir Dogs, 1992), depois prestígio e fama com o vencedor da Palma de Ouro, Pulp Fiction (1994). Mais tarde se aventurou a adaptar uma história, em Jackie Brown (1997), fato que não se repetiu.
Passou um bom tempo “cozinhando suas ideias” para dois filmes. Nessa época, já relacionava sua identificação com o western-spaghetti, apesar de pouco ou nada do gênero ter sido visto em seus filmes, até aqui. Foi com a quebra do hiato, em Kill Bill volume 1 (2003), que pode-se observar traços de Sergio Leone, em um filme de kung-fu com forte trilha de faroeste (do próprio Ennio Morricone, colaborador de Leone) além de outros aspectos. No volume 2 de Kill Bill (2004), o western ganhou a tela, com imagens e referências mais claras, também aos filmes de John Ford. De modo geral, como se trata de uma vingança, com muita corrupção moral e praticamente nenhum santo, pode-se chamar tudo de um “faroeste com espadas”. Quatro anos depois, Quentin lançou com seu amigo Robert Rodriguez dois filmes no estilo grindhouse, de drive-thru, sua parte sendo o subestimado À prova de morte (Death Proof, 2007). Com Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, 2009),Quentin atingiu maturidade, num filme de guerra no estilo Tarantino, flertando novamente com o faroeste e agradando até alguns de seus detratores.
Agora com Django Livre (Django Unchained, 2012), o ex-balconista de vídeo-locadora pisa com os dois pés no gênero, sem deixar, claro, de trabalhar com o hibridismo estético, seja nos temas como na trilha, esquizofrênica mas funcional na maior parte do tempo. Django ( Jamie Foxx), caçador de recompensas recém-alforriado pelo seu tutor no ofício, o ex-dentista alemão Dr. King Schultz (Christoph Waltz, novamente no sempre presente personagem dos filmes de “Taranta” que esbanjam uma confiança que deixa qualquer espectador desesperado) que anda pelo Sul americano pouco antes da Guerra Civil com seu simpático cavalo Fritz (iiiihuuuu). O alemão, que condena o escravismo, se sente sensibilizado pelo desejo de Django, similar a uma lenda alemã: recuperar sua esposa, Brunhilda. E para isso, vão até o paradeiro da moça, uma fazenda comandada pelo inescrupuloso Calvin Candie (Leonardo DiCaprio) e seu puxa-saco negro Stephen (Samuel L. Jackson).
Muitos, como o diretor Spike Lee, veem o excessivo uso da palavra “criolo” (traduzido) como má fé e clara indicação ao racismo (aliás, essa palavra é uó, vou chamar de etnofobia). Aqui, o matador rápido no gatilho, bem parecido com o da trilogia dos dólares, é negro, cheio de estilo e bem mais falante. Dispara sua arma verborrágica e literal contra a covardia branca. Nessa questão brancos/negros, temos dois personagens que se destacam: o consciente Schultz e o subservente Stephen, um escravo que deixaria Goebels orgulhoso, convencido da mentira da supremacia branca, dita mil vezes, talvez por Calvin. A etnofobia pode partir de qualquer etnia e ser direcionada a qualquer uma também, até a própria. Assim como o bom senso é fruto do esclarecimento. Mas passemos a outros aspectos do filme.
As cenas de violência lembram a edição dos filmes de Sam Peckinpah com alguns absurdos típicos dos western-spaghetti mais pobres e, claro, o sangue jorrando de maneira cômica, algo já esperado nos filmes de Tarantino. Não vejo a hora de ele filmar uma cena num consultório odontológico.
Falando da edição, bem marcante e característica dos filmes de Tarantino, é a primeira vez que um longa dele não é editado pela Sally Menke, falecida em 2010. Coube a Fred Raskin, editor dos mais recentes Velozes e Furiosos, mas também, por várias vezes, assistente da própria Sally e dos editores de PT Anderson (outro diretor atual que abusa da abordagem musical em seus filmes e, possivelmente, o melhor diretor americano da atualidade), a sonhada, mas arriscada, tarefa de editar o longa. Não creio que isso tenha influenciado, mas Django é bem mais linear que os outros filmes de Tarantino, e felizmente, uma edição quase imperceptível, sem maneirismos de alguém querendo copiar a saudosa Sally.
Importante lembrar que o nome Django vem do filme homônimo de Sergio Corbucci, uma das lendas do gênero, e o ator principal desse filme de 1966, Franco Nero, faz uma ponta em Django Livre. No mínimo, o ursão de pelúcia do parque de Tarantino.
Vejo o hibridismo cinematográfico como na música: pode-se criar um novo estilo seguido ou criar um frankstein sem sentido. Nesse hibridismo, assim como em Bastardos, em que Tarantino fuzilou a cara de Hitler, ele usa o cinema como seu parque de diversões, pintando-o à sua maneira.
Para mim, é emblemático um filme do Tarantino ser o primeiro filme que comento em meu blog: antes dele e de David Fincher, costumava escolher filmes pelos atores. Passar a ter os diretores em mente é um momento fatídico e necessário para quem quer conhecer mais sobre cinema, creio eu. Sobre o título, se Django Livre se juntará aos outros filmes de Quentin, que me conquistaram e me tornaram uma amante curiosa da sétima arte, eu não sei. Acredito que o filme pode envelhecer bem, pois há muitos elementos para serem pós-analisados. Mas certamente é um filme que ele sonha em fazer desde seus tempos de balconista. O que vale aqui é a devoção pelo cinema.
Para conferir o trailer de Django de 1966 e sua trilha inconfundível, segue link: http://www.youtube.com/watch?v=w8Ge2hmSTbo